Opinião de Inês Sá
Cabisbaixo, olhar preso ao chão, de parcas palavras, difícil sorriso. Rosto fechado, postura tímida, presença pesada. Assim fora eu, durante muitos anos e desde miúda. Recordar-me-ei para sempre do carnaval em que fui, invariavelmente contra a minha vontade, fantasiada de soldado(a). Não consigo precisar com exatidão que idade tinha naquela altura, mas julgo que estaria com 5 ou 6 anos, não mais. Recordo-me sim, que aquela fantasia foi um verdadeiro sucesso! Julgo que dificilmente se consegue conjugar de forma tão perfeita o figurino com a fantasia… Ainda hoje, no seio da minha família e especialmente naqueles dias em que não estou enfaticamente sorridente, é recordado com graça, o “soldadinho”.
Não era tarefa fácil entrarem neste meu pequeno mundo, por norma e numa primeira abordagem era sempre catalogada de miúda pouco empática, mas certo é que depois de se conseguir quebrar este gelo inicial, grande parte das amizades que conquistem ao longo da minha infância, ficaram para a vida.
Foi neste meu jeito peculiar de ser e estar que recebi o meu primeiro desafio profissional. As etapas do recrutamento iam-se esgotando, seguindo-se um período de formação que deve ter ultrapassado os 2 meses. Rapidamente me apercebi que a relação com os eventuais clientes da empresa, mais do que qualquer requisito técnico, dependeria e muito, de algo que eu sempre tentara esconder: apenas um sorriso. De imediato pensei desistir, sabia que dificilmente alcançaria o lugar a que me candidatava. Sorrir? Sorrir para uma pessoa que nunca antes tinha visto? Sorrir só porque sim? Só porque tem que ser? Tudo seria tão mais fácil se me obrigassem a fazer um qualquer exame, responder a diversas questões sobre os conhecimentos técnicos exigíveis, mas afinal isso pouco ou nada valia. Entrelacei as mãos, encolhi-me, o tremer do meu pé esquerdo fazia-me vibrar a uma velocidade estonteante. Eu tinha que conseguir entrar para aquela empresa e o momento era aquele. E foi desta forma que aprendi a sorrir. Descerrei os dentes, esbocei um tímido mas sincero sorriso. Senti-me imensamente orgulhosa de mim e deixei que este orgulho me embebecesse o olhar, e me aguentasse o sorriso na boca!
Passados tantos anos continuo a não ser a pessoa mais sorridente do mundo, mas é com muita mais facilidade que me permito sorrir. E vem tudo isto a propósito da observação que a minha filha fez, num dia desta semana, enquanto eu conduzia em direção à sua escola, e que não me deixou hesitar nem por um segundo, relativamente ao assuno desta crónica, que tenderia a ser a eleição de Marcelo Rebelo de Sousa, mas que rapidamente deixou de ser para mim um assunto em destaque. Dizia-me ela: “Mãe, porque é que as pessoas que passam por nós e vão dentro dos seus carros, estão tão tristes? Não gosto de ver pessoas tristes…”. Ainda olhei para o condutor que vinha em sentido contrário na esperança de que este viesse contrariar a constatação com que uma criança de 5 anos me acabava de confrontar, mas sem êxito. Expliquei-lhe que ainda era muito cedo, as pessoas estão ainda a acabar de acordar, e que embora muitas delas estivessem tristes por qualquer motivo que nós não sabemos, outras haveriam de ficar mais sorridentes com o desenrolar do dia. Naturalmente que nem eu engulo esta argumentação e que a única verdade incontestável no meio desta pequena conversa, é que estamos todos a contribuir para uma sociedade mais triste, mais fechada, mais pesada, e que pese embora todos os legítimos e inquestionáveis motivos para este estado generalizado de “soldadinhos”, jamais conseguiremos mobilizar o exercito, para que este batalhe por um mundo mais colorido, mais sorridente, mais solidário, mais leve e menos sisudo. Não é de todo uma tarefa fácil, a conjuntura é aquela que todos nós que vivemos no mundo dos adultos tão bem conhecemos, mas… vamos tentar?