O “cavalo de Troia”

Opinião de Maria do Céu Patrão Neves

maria_do_ceu_patrao_nevesNo passado dia 13 de Novembro, a barbárie humana atingiu um novo limiar de ódio e de crueldade, anestesiante das emoções e sentimentos que nos caracterizam, convertendo-os num frio desprezo indiferente dos assassinos pelas pessoas que iam executando…

Aconteceu em Paris ao princípio de uma noite amena de sexta-feira, mas podia ter sido aqui ou ali; aconteceu a pessoas que foram à sala de espectáculos Bataclã mas podia ter sido no Coliseu de Ponta Delgada ou no Teatro Angrense, que foram jantar a um restaurante, a uma esplanada como as que frequentamos, que estavam no McDonalds ou no Burger King como os que se vão já multiplicando entre nós. Sim, podíamos ter sido nós lá, em Paris, por alguma razão especial, ou aqui mesmo, nos Açores, onde vivemos.

Podíamos ter sido nós naquele sítio, naquela hora e, de repente, tudo acabava. Um tiro, uma rajada de balas, uma explosão, numa lotaria tão arbitrária dos que se tornam alvo como deliberada na intenção dos que se alimentam do único propósito de matar o maior número de pessoas.

Perante este horror falham as palavras…. São sempre escassas e deixam quase tudo omisso; são sempre débeis e não transmitem a intensidade das sensação que nos tomam; são por vezes contraditórias, reflectindo as nossas perplexidades, a incredulidade, o choque, o receio. As palavras faltam mas não podemos ficar em silêncio.

Confortamo-nos com as nossas próprias palavras ora de repúdio, ora de compaixão. E queremos tentar compreender o que já reconhecemos injustificável. Ouvimos os comentadores, os especialistas, os jornalistas, os que fazem opinião, arriscando que façam a nossa. Mas eu rejeito aqueles intelectuais ideologicamente investidos que, depois de uma breve condenação dos factos, dissertam longamente sobre a interpretação dos mesmos numa atroz culpabilização da Europa e na inevitabilidade da sua expiação. Considero-o, no mínimo, moralmente ofensivo, e intelectualmente preconceituoso.

Não, não sou especialista na matéria mas, perante estas leituras dos factos, interrogo-me sobre o papel dos Estados Unidos e da Rússia na convulsão Síria, bem mais determinante do que o europeu; interrogo-me sobre a abdicação de um desempenho preponderante dos demais países árabes no “inverno sírio”, mas também da sua demissão de acolhimento aos migrantes, os quais parecem só conhecer o caminho para a Europa, quando teriam tantos países vizinhos que falam a mesma língua e partilham a mesma cultura, poupando-os da travessia mortífera do Mediterrâneo.

Bem sei que o politicamente correcto é não falar em simultâneo de terrorismo e migrantes, sendo que entre estes, como entre nós, há gente boa e gente má. Mas continuar a ouvir os políticos europeus falarem de quotas para menos de 200 mil migrantes quando se crê que já tenham entrado na União Europeia cerca de um milhão e meio só nos pode fazer desconfiar da seriedade de qualquer decisão política que esteja a ser trabalhada em relação a esta vaga de pessoas cuja identidade ou localização é hoje em grande parte desconhecida. Além disso, esta nossa União Europeia de menos de 500 milhões de cidadãos, tem 120 milhões a viver no limiar da pobreza, tendo colocado como meta sociopolítica retirar 20 milhões da pobreza até 2020. Ainda sobrarão um quinto dos europeus pobres. Não creio, pois, que neste contexto socioeconómico, os migrantes encontrem o bem-estar social que procuram; também não creio que uma mulher coberta com a burca, como a que chegou recentemente a Portugal, se integre na nossa sociedade em 10 meses – aqueles que são financiados a nível europeu. E depois…?

As dificuldades de integração económica e social, por um lado, e a rejeição de integração cultural, por outro, são factores preponderantes na radicalização dos muçulmanos que vivem entre nós. É no plano social, a longo prazo, mais do que no campo de batalha, a curto prazo, que a multiplicação de terroristas tem de ser contrariada. Entretanto, enquanto este objectivo parece estar distante, esta data do 13 de Novembro soma-se às outras anteriores e questiona-nos se, no futuro, a Europa, os nossos valores políticos e morais não poderão ser conquistados pelo interior, qual “cavalo de Troia”…

 

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