Opinião de Inês Sá
Não sou nem anseio ser analista política, por isso, e porque não falta quem faça esse trabalho, uns com mais outros com menos isenção e rigor, permito-me não abordar os resultados das últimas eleições, à exceção da contínua elevada taxa de abstenção registada na R.A.A que quase atingiu os 60% e que me deixa um tanto ou quanto inquieta relativamente ao futuro desta enorme conquista, que foi a democracia. Por entre os mais diversos argumentos justificativos de quem deliberadamente contribui para este atentado à liberdade, por muito que me esforce por os entender, admito a minha total e cada vez maior relutância, por quem ignora não só o seu direito, como também o seu dever de participar ativamente em qualquer que seja o ato eleitoral. Ponto final, parágrafo.
Não sendo esta uma consequência direta da minha formação académica, assumo o meu fascínio pelo ensino, pelo processo de aprendizagem, pelo conhecimento, pelo cheiro dos cadernos e a perfeição das lapiseiras. Pelos resumos, pela novidade, pelo saber que nunca se sacia, pela vontade de aprender sempre mais e mais. Sou de facto feliz a estudar, a ler, a escrever, a debater, a refletir, a questionar. Mas a vida havia de me traçar um rumo diferente, que só me permitiu ingressar na universidade já mãe de um filho, com um trabalho a tempo inteiro e com todo o compromisso consequente da gestão do lar. Naturalmente que todo este contexto diferente, me impossibilitou de viver a Universidade como a maioria dos alunos, tendo inclusivamente sido fator determinante para que nunca eu tenha identificado a Universidade de que me falavam quando era adolescente, não duvidando contudo, que esta fase de magia e de alguma loucura característica do ambiente universitário, felizmente, ainda existe.
Paralelamente a esta minha passagem pela Universidade, a maternidade levou-me de volta à creche, ao infantário, ao pré-escolar e ao 1º ciclo, tendo já passado pelo ensino privado e pelo ensino público.
Foram exatamente estas duas experiências que me aproximaram do ensino já em idade adulta, primeiramente do ensino superior e depois do ensino regular até ao 1º Ciclo, que inevitavelmente por inerência, curiosidade, preocupação e vontade própria, frequento presentemente através dos meus dois filhos, alternando o infantário com o 4º ano de escolaridade. Entre as inúmeras mudanças com que me deparo diariamente relativamente à escola da minha altura, umas para bem, outras para coisa nenhuma e outras para bem pior, que de tão vastas jamais seriam passíveis de ser abordadas neste nosso pequeno espaço, destaco o apelo constante por parte dos atores educativos da aproximação dos encarregados de educação à escola. Este apelo surge quase em tom de grito, tal é a insistência no assunto, há já alguns anos, sendo que atualmente é quase bandeira de qualquer escola ou de qualquer discurso sobre esta. Há até quem defenda que o sucesso educativo depende muito do estreitar desta relação “escola – pais – escola”, ideia esta que me levanta muitas dúvidas e outras tantas preocupações. Se por um lado eu acredito que na sociedade contemporânea a escola deve obrigatoriamente estar aberta à sociedade e considerar todos os contributos que esta lhe possa dar, por outro lado julgo que dificilmente será respeitada a linha que separa a responsabilidade da escola da responsabilidade parental. Diz-me até a minha experiência neste regresso à escola do 1º Ciclo, que os papéis estão já de tal forma invertidos, que muito facilmente o docente é levado a colocar-se em causa, face às reivindicações dos encarregados de educação. Chegamos hoje ao ponto de que basta uma pequena distração, uma brincadeira mal conseguida, ou um dia mal dormido, para que o docente seja colocado em situação de grande fragilidade. As armas que desde o 1º dia se aprontaram, rapidamente se posicionam e só não matam se não conseguirem. Dito assim até parece um bocadinho mórbido, mas na bagagem trago a certeza de que a crueldade, o julgamento inconsequente, a ansia por um braço de ferro, o constante desafio de forças, espreita em quase todas as portas. Infelizmente, muito por culpa da omissão dos limites destes dois papéis (escola – pais), consequência direta deste apelo exagerado de aproximação dos encarregados de educação à escola, não foi nem a primeira, nem terá sido por certo a última vez, que me vejo obrigada a assistir ao impiedoso julgamento na praça pública de um docente.
“A César o que é de César ”, à escola o que é da escola, aos pais o que é dos pais, à união (e não à sobreposição) de sinergias rumo à educação e ao sucesso escolar!