Hoje em dia e de há uns tempos para cá ouve-se falar muito de renovação. A renovação é papagueada como se fosse um bem em si mesmo, e por isso inquestionável, como se fosse um imperativo, e por isso a implementar acriticamente, como se fosse uma panaceia, e por isso desejada por todos como um grande objectivo a alcançar. Simultaneamente, a renovação é restringida quase exclusivamente às pessoas: afastam-se umas e puxam-se outras. É preciso “mudar caras”, é preciso “pôr caras novas” – eis ao que se resume a tão propagandeada renovação, num primarismo lamentável.
Uma breve e mesmo ligeira reflexão sobre o que a renovação exige descobre facilmente o grotesco desta visão pitosga da realidade social.
Com efeito, a renovação é um procedimento, um modo formal ou estratégia de acção, pelo que jamais pode constituir um objectivo, o qual exige substância, conteúdos, matéria. A renovação é um meio para se alcançar algo mas não um fim em si mesmo no que se revelaria inconsequente como mero conceito vazio. Paralelamente, a renovação não se pode reduzir ao espetáculo de um jogo de cabeças mas terá de incidir sobre modos de pensar e formas de agir em que radica o seu inconformismo e mérito. A renovação é um desafio para transformar a realidade para melhor e não uma simples operação cosmética, uma mudança de imagem, tão efémera como a que a precedeu.
E depois, há toda uma série de contrassensos nesta miopia social. O objectivo de renovar pessoas negligencia conhecimentos e experiências, competências e capacidades, trocadas pela novidade, só porque o é. Ficamos todos a perder. Renováveis e novéis são destituídos de qualquer dignidade, objectivados que são, os primeiros a uma cronologia, os segundos a uma função. Nenhum vale como pessoa. Como estratégia, a renovação é esgrimida como “dando lugar aos novos”. Mais uma vez se objectiva a pessoa, agora pela idade. Numa sociedade que vem ultrapassando todos os sectarismos – machismo e racismo, xenofobia e homofobia, etc. – instaura-se agora o da idade, o idadismo ou discriminação em função da idade. Este é tanto mais curioso quanto vivemos numa sociedade democrática em que os idosos se vêm tornando a maioria, numa sociedade respeitadora da dignidade humana que estabelece um período de validade para as pessoas, uma sociedade solidária que exclui os mais velhos.
É evidente que esta renovação reduzida ao objectivo de mudar pessoas é a mais simples e atraente para quem aposta na superficialidade da imagem em contraposição à procura da densidade das ideias e à pertinência das acções. Esta é, todavia, uma renovação estéril, nada transforma, limitando-se a trocar originais por cópias.
E quando a renovação é bandeira e se troca o já visto pelo visto já, qualquer pedagogia sobre o sentido e a prática da renovação se torna francamente inútil…